Mana (Apr 2006)

O teatro em Aparecida: a santa e o lobisomem

  • John C. Dawsey

DOI
https://doi.org/10.1590/S0104-93132006000100005
Journal volume & issue
Vol. 12, no. 1
pp. 135 – 149

Abstract

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A seguir, pretende-se discutir a experiência de devotos em Aparecida a partir de um dos textos originários da antropologia da performance, "Points of Contact Between Anthropological and Theatrical Thought" ("Pontos de Contato entre o Pensamento Antropológico e Teatral"), de Richard Schechner. O "desvio" metodológico que se manifesta no texto de Schechner - um diretor de teatro que fez sua aprendizagem antropológica com Victor Turner - é propício para uma discussão do processo ritual que se realiza em Aparecida, onde imagens de liminaridade irrompem na própria imagem da santa. O trajeto percorrido pelos devotos do Jardim das Flores ("buraco dos capetas") requer, porém, ainda outro deslocamento, um duplo movimento capaz não apenas de olhar o cotidiano a partir de Aparecida, mas também de olhar Aparecida às margens das margens, a partir do parque de diversões. Eis uma questão: aquilo que a liturgia e o processo ritual separam em Aparecida, para fins de compor a imagem impassível da santa no espaço do sagrado, reúne-se nas imagens carregadas de tensões no Jardim das Flores. Seria o parque de diversões um dispositivo através do qual a cultura popular propicia um retorno do suprimido? Estados somáticos e formas de inervação corporal associados à experiência do pasmo, que fazem parte da história incorporada de mulheres e homens do "buraco dos capetas", irrompem no espetáculo da mulher-lobisomem, entre outros do parque de diversões. Às margens das margens, com efeitos de pasmo, ali se produz um duplo estranhamento: em relação ao cotidiano e ao extraordinário também.This essay discusses the experience of visitors to the city of Aparecida, based on theater director Richard Schechner’s germinal text in the anthropology of performance, "Points of Contact Between Anthropological and Theatrical Thought." The methodological ‘twist’ employed here by Schechner - associated with the anthropology of Victor Turner, under whose guidance and inspiration the director developed much of his own thinking - is particularly useful in analyzing the ritual process in Aparecida, where image and pilgrimage evoke a view from the margins. However, the route followed by visitors such as those coming from the shantytown Garden of Flowers (also known as ‘Devils’ Hole’) may require another methodological move, a double dislocation of our point of observation, allowing the observer not only to look at everyday life from Aparecida, but also to look at Aparecida on the margins of the margins from the carnival fair. The article explores the ‘hypothesis’ that what liturgy and the ritual process separate in Aparecida, in order to compose an impassive image of the saint in the space of the sacred, is combined in the tension-packed images that erupt in the Garden of Flowers. Is the carnival fair a means through which popular culture allows the return of the repressed? Somatic states and forms of bodily innervation associated with experiences of shock, and which belong to the embodied history of women and men from ‘Devils’ Hole,’ erupt in the spectacle of the werewolf woman, among other figures, at the carnival fair. On the margins of the margins, shock effects produce a double estrangement - in relation to both the everyday and the extraordinary.

Keywords