Revista Brasileira em Promoção da Saúde (Jun 2017)
Existe um campo e um conceito no estudo da política pública efetivando a promoção da saúde?
Abstract
A crítica acerca do pensamento comum sobre política é imprescindível ao se ponderar a interface estabelecida com os saberes acadêmicos, cuja construção se dá na incerteza das ciências, na interlocução dialética entre as convergências e divergências para a formulação e/ou reformulação de conceitos, além da construção de um possível campo de estudos para as políticas públicas e suas aplicabilidades. No âmbito da promoção da saúde, é imprescindível cultivar a perspectiva ampliada de que a área é transversal ao cerne das necessidades humanas, portanto, promovê-la atualmente pressupõe o entendimento acerca das políticas públicas, com seus embates e convergências constantes em busca de modelagens que possam atender as intangíveis demandas sociais. Nessa construção dual entre o senso comum e o bojo epistêmico, o estudo da política pública não está restrito a uma disciplina acadêmica, trazendo à tona o imperativo do entendimento da área como construtora do conhecimento acadêmico em múltiplas disciplinas. Pode-se comprovar essa premissa a partir do desafio que se mostra na apresentação de teorias, métodos e ferramentas únicos para o estudo da temática(1). Essa polarização ganha vultosa importância pela urgência da tomada de decisão por gestores públicos e reverbera sobre a atual conjuntura do ensino em saúde, especialmente no que tange à sua promoção. Tem-se buscado a otimização da “expertise” como aquela que se conforma sob os auspícios da "melhor evidência científica". Nessa lógica, se precisa-se de evidência científica para o ensino de um modo geral, pode-se construir um silogismo e pensar que para o ensino das políticas públicas, com o olhar na promoção da saúde, esta premissa também seja viável. No entanto, os questionamentos sobre o ensino das políticas públicas emergem de formas avassaladoras, exigindo reflexão sobre os conceitos inerentes à área e, a partir dessas cogitações, posicionar-se sobre o que ensinar, como ensinar e quando ensinar. O ensino da promoção da saúde exige discussão acerca das contradições dos contextos e as particularidades dos diversos territórios encontrados no país, tornando sua prática um desafio inerente às políticas públicas vigentes(2). Tentando aproximar-se dos discursos que se mostram tão complexos e paradoxais e, ao mesmo tempo, transparentes e tangíveis, já não é suficiente discutir a pluralidade dos contextos deste país, mas, sim, dialogar com os cenários mundiais que avançam na redução das iniquidades sociais(3).Oportuno trazer ao diálogo Pierre Bourdieu, que defende ser impossível separar os valores e as representações que temos dos ideais científicos, lembrando que não há escolhas desinteressadas. E, na perspectiva do conceito de campo, ele esclarece a presença do "campo de força", tal qual um "campo de lutas", que constrange os que nele estão. Porém, é a partir da heterogeneidade inserida no campo que florescem convergências e que se constroem as suas bordas diferenciadoras, possibilitando outros possíveis encontros ideológicos(4-5). Nessa interpretação, deve-se diferenciar os estudos de política, ciência política, economia do bem-estar e administração pública. Mesmo sendo áreas afins que se encontram na intercessão do interesse público, diferenciam-se nas suas bases e nos seus objetivos. Para isso, atenta-se ao fato de as políticas públicas exigirem ações práticas, apresentadas como positivas, em contraposição à omissão, que ressoa na inércia como reação negativa à falta de proatividade(6). A partir dessa premissa, competências para a promoção da saúde devem ser construídas na formação profissional, agregando conceitos de equidade, justiça social, ética e autonomia individual na perspectiva multifacetada intrínseca ao campo da saúde coletiva(7). Ressalta-se que, se um grupo de atores sociais tem dificuldade para entender os conceitos que o cerca, dificilmente conseguirá construir ideias claras sobre as temáticas que demandam adensamento teórico e metodológico com vistas a subisidiar novas práticas que ressignifiquem os “cotidianos”. Então, o campo plural das políticas públicas dá vazão aos subcampos: processo político, como ação que exige esforço para o seu entendimento, devido o aspecto mutável e inconstante; análise de políticas, como necessidade teórica para a compreensão mais acurada sobre as possibilidades que o campo pode trazer à baila; e avaliação de políticas, como financiador dos acertos e desafios dos conceitos inerentes à temática, denotando a realidade experimentada, mas, nem por isso, vivenciada. Portanto os conceitos do processo político na promoção da saúde, como apresentados, percorrem a temporalidade e podem ser concebidos na indagação: o que estamos fazendo? Sobre a análise das políticas encontramos o porvir: o que devemos fazer? E, o pretérito emerge na avaliação política: o que temos feito? Nesse ínterim, a eficiência e a eficácia conformam-se como atribuições que as políticas públicas, com viés na promoção da saúde, devem possuir para alcançar minimamente objetivos que priorizem as necessidades coletivas em detrimento das individuais. Para entender historicamente essas construções e ressignificar os conceitos atuais sobre a área, as concepções de Platão, Maquiavel, Thomas Hobbes, John Locke, James Madison, Adam Smith e John Stuart Mill despontam como leituras essenciais para perceber-se analiticamente a ação das sociedades sobre as políticas públicas, em diferentes cenários e temporalidades. Explicita-se que, atualmente, as políticas públicas que visem promoção da saúde precisam ser norteadas por ensino e pesquisas que considerem as iniquidades sociais presentes no mundo, buscando possíveis caminhos para impactar os resultados de saúde(8). Apropriando-se de reflexões sobre o tema, cabe-nos pensar: como aproveitar os conceitos inerentes à área para atingir o “nível ótimo” das políticas públicas na efetivação da promoção da saúde? Como a política pública se concatena com as ferramentas da ciência no intuito de propiciar reflexões que remetam às novas práticas? No cenário brasileiro, como construir políticas públicas promotoras de saúde na conjuntura de um sistema social, administrativo e financeiramente combalido? No campo da saúde coletiva, em contínua construção, tais questionamentos são complexos e nos impõem compreender o conceito de políticas de saúde como transversal às políticas públicas, ao mesmo tempo em que se mostram potentes, como possibilidades de fortalecer um sistema de saúde nacional e público que apregoa os princípios da universalidade, da integralidade e da equidade. Há, portanto, um processo em construção das políticas públicas focadas na efetivação da promoção da saúde, e a Revista Brasileira em Promoção da Saúde (Brazilian Journal in Health Promotion) se apresenta como veículo científico que possibilita o diálogo de saberes na área, contribuindo para majorar a importância destas discussões na saúde coletiva brasileira.