Revista Portuguesa de Cardiologia (Sep 2012)

Terão os mixomas cardíacos uma nova face clínica? Estudo de reavaliação clínico-patológica

  • Álvaro D.B. Bordalo,
  • Irina Alves,
  • Ângelo L. Nobre,
  • Fernanda Silva,
  • Alberto Lemos,
  • Carlos Serpa,
  • Afonso Fernandes,
  • João Cravino

Journal volume & issue
Vol. 31, no. 9
pp. 567 – 575

Abstract

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Resumo: O acesso fácil à ecocardiografia (ECOCG) e o seu uso extensivo e repetido (como acontece em Portugal) facilitará atualmente o diagnóstico precoce dos mixomas cardíacos (MC). Objetivo: Reavaliar os perfis clínico e anatomopatológico dos MC à luz das actuais condições diagnósticas. Material e métodos: Estudo retrospetivo de 40 doentes (dts) consecutivamente propostos para cirurgia (entre janeiro 2003 e janeiro 2010), com o diagnóstico confirmado histologicamente de MC – 26 dts do sexo feminino (F) e 14 do sexo masculino (M), com idade média de 64 ± 12 anos (12-81; 53% com > 65 anos, 43% com > 70 anos); 39 dts foram operados (um dt inoperável, por sequelas neurológicas major). Efetuou-se a revisão das características clínicas dos dts, dos protocolos operatórios e do seguimento (1-76 meses, com ECOCG seriada) dos sobreviventes, e ainda dos dados histológicos. Resultados: 1) Incidência aparente de 2,6 casos/milhão/ano; relação F/M (global) = 1,9:1; relaçãoF/M (dts com > 65 anos) = 1,3:1 (sobreponível à da população geral). 2) Localização: aurícula esquerda (AE) em 92,5% dts; inserção na fossa ovalis do SIA (AE) em 53% dts (apenas 57% dos MC da AE) e fora do SIA em 30% dts. Tamanho médio = 4,6 × 3,7 cm. 3) Dts assintomáticos – 48% (MC séssil e/ou com inserção atípica em 74% dos casos; 63% com dimensão > 3 × 3 cm), sendo 61% nos últimos 25 meses; 23% com sintomas constitucionais (MC sempre muito volumoso – média de 6,7 × 5,1 cm), 35% com sintomas hemodinâmicos/obstrutivos e 15% com fenómenos embólicos (83% dts com MC viloso; todos com localização atípica; 83% com MC volumoso). 4) Presença de patologia da válvula mitral (VM) relacionada diretamente com o MC em 20% dts, resultando em insuficiência mitral moderada/grave, com indicação para cirurgia VM associada, em 13% dts. 5) Comorbilidades significativas em 69% dts. 6) Protocolo operatório: excisão simples - 74% dts; septoplastia/atrioplastia associada à excisão alargada da base do MC – 26% dts; cirurgia combinada (ressecção do MC + outros procedimentos) – 28% dts. Complicações pós-operatórias significativas: 38% dts. Mortalidade hospitalar global: 10% (4 dts); mortalidade pós-operatória global = 7,7% (3 dts; 2,6% aos 30 dias). 7) Seguimento pós-operatório (100% dts; média de 30 meses, 44% com mais de 2 anos): mortalidade tardia – 5,6% (2 dts); ausência de recorrência de MC. Conclusões: 1) O MC tem uma incidência superior à estimada na bibliografia clássica e afeta maioritariamente dts com mais de 65 anos. O proclamado predomínio no sexo feminino desaparece acima dos 65 anos. 2) Atualmente, a maioria dos MC apresenta-se na forma assintomática, como consequência de um diagnóstico muito mais precoce. 3) O MC associa-se diretamente a patologia valvular mitral merecedora de correção cirúrgica em mais de 10% dos casos e tem uma mortalidade pós-operatória relevante, marcada pela influência das comorbilidades. Abstract: Easy access to echocardiography and its extensive and repeated use (as is the case in Portugal) now facilitates the early diagnosis of cardiac myxoma (CM). Objective: To re-evaluate the clinical and pathological profile of CM under current diagnostic conditions. Methods: We performed a retrospective study of 40 patients consecutively referred for surgery (between January 2003 and January 2010) with a histologically-confirmed diagnosis of CM – 26 female (F) and 14 male (M), with a mean age of 64±12 years (range 12-81; 53% over 65, 43% over 70); 39 patients were operated (one was not operable due to major neurological deficit). Clinical characteristics, surgical protocols, follow-up records of survivors (range 1-76 months, with serial echocardiograms), and histological data were reviewed. Results: The apparent incidence was 2.6 cases/million/year; the overall F/M ratio was 1.9:1 (1.3:1 in those aged over 65, similar to the general population). The CM was located in the left atrium (LA) in 92.5%, with insertion in the fossa ovalis of the interatrial septum (IAS) in 53% (only 57% of LA myxomas), and outside the IAS in 30%. The mean size was 4.6 x 3.7 cm. Asymptomatic tumors occurred in 48% of the total population (sessile and/or atypically inserted in 74%; 63% of large size, over 3 x 3 cm), 61% were in patients referred in the last 25 months of the study; 23% of patients showed constitutional symptoms (all with very large CMs – mean 6.7 x 5.1 cm), 35% had hemodynamic/obstructive symptoms, and 15% presented with embolic events. There was evidence of CM-related mitral valve (MV) disease in 20% of patients, resulting in moderate to severe mitral regurgitation requiring associated MV surgery in 13%. Significant comorbidities were present in 69%. Surgical procedures included simple excision in 74%; septoplasty/atrioplasty associated with extensive resection of the insertion site in 26%; and combined surgery (CM excision plus other procedures) in 28%. There were significant postoperative complications in 38%. In-hospital mortality was 10%; postoperative mortality was 7.7%. Mean follow-up was 30 months (100% of survivors, 44% for >2 years); late mortality was 5.6% and no CM recurrences were observed. Conclusions: (1) CM has a higher incidence than described in the literature and mainly affects patients aged over 65; the reported predominance of female patients disappears after the age of 65. (2) Most CM cases are now asymptomatic at presentation as a result of earlier diagnosis. (3) CM is the cause of MV disease requiring surgical correction in more than 10% of cases, and is associated with significant postoperative mortality, mainly due to the presence of comorbidities. Palavras-chave: Mixoma, Diagnóstico precoce, Insuficiência mitral, Ruptura de cordas, Fibroelastoma papilar, Prognóstico, Keywords: Myxoma, Early diagnosis, Mitral regurgitation, Chordal rupture, Papillary fibroelastoma, Prognosis