Revista Subjetividades (May 2016)

Algumas considerações sobre o sujeito e o tempo a partir do conto “O outro”, de Borges

  • Fabiano Chagas Rabêlo,
  • Gustavo Freitas Pereira,
  • Luis Achilles Rodrigues Furtado

Journal volume & issue
Vol. 11, no. 3
pp. 1037 – 1061

Abstract

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Esse artigo expõe o resultado de um estudo bibliográfico de interlocução entre psicanálise e literatura. Tomando como referência o conto de Borges “O outro”, investigamos o tratamento que é dado por esse autor a fenômenos psicológicos da vida normal tais como: o sonho, o estranho, o déjà vu (já-visto), o déjà reconte (járeconhecido), o déjà expérimenté (Já-vivenciado) e as paramnesias. Reconhecemos na obra de Borges um campo riquíssimo onde o psicanalista tem muito a aprender, uma vez que esse autor se deixa guiar em seu processo de criação pelas manifestações psíquicas que desvelam a inconsistência das indentificações egóicas (despersonalização) e da apreensão da realidade pelo consciente (desrealização). Assim, o exercício de recordação na pena de Borges transmuta-se da simples reprodução de uma realidade supostamente objetivada para um processo estético de invenção em sentido amplo. Com isso, o sonho emerge como o paradigma de uma “outra cena” para além da realidade compartilhada, onde a verdade do sujeito habita. Constatamos que o recurso à paráfrase em Borges é solidário ao funcionamento do Inconsciente, na medida que põe em primeiro plano a determinação do sujeito pela rede de significantes do discurso do Outro. Defendemos que o enigma possui no conto uma função análoga à interpretação psicanalítica, já que, ao visar o real, produz um reordenamento subjetivo. Destacamos no desenrolar da estória o esforço de tratar o real pelo simbólico por meio de um bem-dizer que mobiliza a enunciação a partir dos ditos e que produz um paulatino desnudamento das insígnias identificatórias. Esse trabalho possui uma temporalidade peculiar: trata-se de um tempo cíclico, entrecortado, lacunar, nãolinear e efémero, que opera por retroação. O desfecho do conto, que se dá com a apresentação de uma cifra, nos incita a pensar que bem-dizer não significa dizer tudo.

Keywords