Mana (Oct 1996)

Três premissas perniciosas no estudo do gueto norte-americano

  • Loïc J. D. Wacquant

DOI
https://doi.org/10.1590/S0104-93131996000200006
Journal volume & issue
Vol. 2, no. 2
pp. 145 – 161

Abstract

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Este artigo é um exame crítico de três premissas que dominaram e viciaram o debate recente sobre divisão racial e pobreza urbana nos Estados Unidos: a) diluir a noção de gueto fazendo-a designar simplesmente uma área urbana de intensa pobreza, o que obscurece a base racial da pobreza e despe o termo de seu significado histórico e de seus conteúdos institucionais; b) a idéia de que o gueto é uma formação social "desorganizada" que pode ser analisada em termos de falta e deficiências, sem identificar os princípios subjacentes à sua ordem interna; c) exotizar o gueto e seus moradores, ou seja, enfatizar os aspectos mais extremos e não usuais da vida no gueto tal qual vista de fora e de cima, isto é, do ponto de vista dos dominantes. Dotadas de plausibilidade pelo peso da história cultural e reforçadas por um idioma nacional individualista que eufemiza o poder de classe e a dominação étnico-racial, essas premissas constituem um formidável "obstáculo epistemológico" para uma adequada construção do gueto como objeto científico.This article offers a critical examination of three premises that have dominated and vitiated the recent debate on racial division and urban poverty in the United States: a) to dilute the notion of ghetto simply to designate an urban area of intense poverty, which obscures the racial basis of this poverty and divests the term of both historical meaning and institutional contents; b) the idea that it is a "disorganized" social formation that can be analyzed in terms of lack and deficiencies rather than by identifying the principles that underlie its internal order; c) to exoticize the ghetto and its residents, that is, to spotlight the most extreme and unusual aspects of ghetto life as seen from outside and above, i.e., from the standpoint of the dominant. Endowed with plausibility by the weight of cultural history, reinforced by an individualistic national idiom that euphemizes class power and ethnoracial domination, these premises form a formidable "epistemological obstacle" to an adequate construction of the ghetto as a scientific object.