Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2021)
NEUTROPENIA CONGÊNITA GRAVE POR HOMOZIGOSE DO GENE G6PC3 EM PACIENTE PEDIÁTRICO DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO NO SUL DO BRASIL: RELATO DE CASO
Abstract
Introdução: A neutropenia congênita grave (NCG) é uma desordem multigênica com incidência estimada de 1–4 indivíduos a cada 1.106. Dentre seus padrões de herança, observa-se a mutação de G6PC3, a qual cursa com manifestações extra-hematopoiéticas, como alterações cardíacas e urogenitais e trombocitopenia, refletindo a ampla expressão desse gene. Objetivo: Relatar um caso de NCG por homozigose no gene G6PC3 em paciente pediátrico proveniente de um hospital universitário no sul do Brasil. Descrição do caso: Paciente masculino, branco, 9 anos, proveniente de Paraíso do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil. Seguiu em internação neonatal após seu nascimento, ocorrido em 17/03/2012 no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), para investigação de genitália ambígua e criptorquidia (testículos não palpáveis em canal inguinal e bolsa escrotal e não evidenciados ao ultrassom e ressonância magnética). À apresentação, a criança tinha artéria umbilical única, desproporção crânio-facial e circulação colateral abdominal. Ecocardiograma pediátrico de 23/03 revelou displasia valvar mitral e tricúspide, insuficiência mitral leve e insuficiência tricúspide moderada, com sobrecarga atrial direita. Solicitada avaliação pela genética médica, com exame citogenético confirmando cariótipo 46XY e ausência de alterações numéricas e/ou estruturais. Encaminhado para a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal após aparecimento de abscessos em região cervical e perianal em 02/04, além de leucopenia/neutropenia. Identificado distúrbio na maturação das séries eritrocitária e leucocitária em mielograma de 12/04, sendo iniciado Filgrastim. Paciente desde então em uso desse medicamento, com incrementos de dose nos anos seguintes. Aos 2 meses de idade, comparece pela primeira vez no ambulatório de Onco-Hematologia Pediátrica, recebendo diagnóstico de NCG, sob suspeita de Síndrome de Kostmann, a qual não pôde ser corroborada dada a indisponibilidade de teste molecular. À época, o hemograma apresentava valores dentro da normalidade e sugeria boa resposta ao G-CSF. Em 2019, retorna ao serviço de Genética Médica do HUSM após conseguir realizar o exame para detecção do subtipo da doença. Resultado evidenciou homozigose no gene G6PC3 e variante Chr17:42.153.148 G>C, considerada patogênica. Até o momento, o paciente foi hospitalizado por episódios de infecções do trato urinário, pneumonia não especificada, celulite após mordedura de animal doméstico e Neutropenia Febril (em 2019 e 2020). Em todas as situações, houve importante recuperação clínica, com boa tolerância à antibioticoterapia e às demais medicações instituídas. Discussão: A importância do reconhecimento da NCG na prática do profissional hematologista deve-se, sobretudo, à recorrência de infecções a partir dos primeiros meses de vida, que podem se manifestar como abcessos cutâneos, gengivite, úlceras orais e, inclusive, infecções potencialmente fatais. Mesmo sendo constatada certa estabilidade da série branca ao hemograma, o monitoramento periódico desses pacientes deve ser realizado, posto que até um terço deles evolui com leucemia mieloide aguda. Conclusão: A dificuldade na suspeita diagnóstica da NCG e a demora para o início do tratamento podem acarretar complicações infecciosas significativas, representando riscos ao paciente. Para a maioria dos indivíduos, a opção terapêutica consiste no uso de G-CSF, sendo seu prognóstico dependente da resposta farmacológica, a qual costuma ser positiva e melhorar a qualidade de vida.