Revista de Direito Sanitário (Feb 2011)
O Sistema nacional de transplantes: saúde e autonomia em discussão
Abstract
É forçoso admitir a existência de temas-tabu na sociedade brasileira. Com uma tradição fortemente lastreada em valores cristãos, aos quais se associa a ideia da intangibilidade corporal, falar-se dos limites ético-jurídicos da autonomia da pessoa em relação aos usos do corpo, no Brasil, é tarefa bastante árdua, principalmente se se pretende explorar a fundo a temática dos transplantes de órgãos e tecidos. Embora consista no maior programa público de transplantes do mundo, o Sistema Nacional de Transplantes, totalmente estruturado a partir de doações, não tem conseguido suprir o problema da escassez de enxertos. Registra-se aumento da demanda, com número considerável de pessoas aguardando nas filas de espera. Ao problema da escassez, associam-se a falta de precisão nos critérios de morte e as restrições à autonomia individual nas decisões sobre doação, sendo, portanto, indispensável discutirem-se as bases sobre as quais esse sistema se assenta. Frise-se que a construção de qualquer consenso em uma sociedade democrática, aberta e plural - como pretendido pela nossa - pressupõe um debate fundado no uso público da razão e no império do melhor argumento. Assim, e (re)pensando a questão sob uma perspectiva eminentemente ético-intersubjetiva, é possível apontar falhas, acertos e novas propostas para se tentar alcançar os principais objetivos de um sistema ético de transplantes: reduzir o déficit entre a oferta e a demanda de enxertos, tornar os procedimentos transplantatórios mais seguros, universalmente acessíveis, bem como se valorizarem as escolhas autônomas dos envolvidos.